Nestas férias li o livro do Pedro Chagas Freitas, intitulado “Prometo Falhar”.
Inspirada nele e nesta inquietação da nossa sociedade, resolvi dedicar este artigo a essa palavra que todos consideramos maldita: falhanço.
Quero abordar o medo de falhar, a sensação de falhar ou a auto-percepção de que se é um/a falhado/a. Mas quero fazê-lo para desafiar algumas das ideias em torno deste tema e dar uma nova perspectiva.

A maioria das pessoas que acompanho trazem a percepção de que não ‘acertam’ em nada na sua vida: estão num trabalho no qual sentem que já não estão a dar o melhor de si ou que não estão à altura do que é esperado delas. E, quando vão para casa, parece que apenas levam ‘restos’ de si. Ou seja, não se vêem como bons profissionais, bons maridos, boas esposas, bons pais, bons amigos, bons filhos… Sentir que estamos a falhar em algum papel ou área de vida é mesmo muito comum. Daí haver tanta insatisfação nas pessoas. Esse não é o problema, a verdadeira questão está na inacção: a forma como se vão mantendo na insatisfação, acabando por se bloquear por medo de falhar. Já viu o ciclo vicioso que se pode instalar em nós?

Pedro Chagas Freitas, no seu livro, sugere que a doença dos nossos dias é a da ‘vida razoável’ à qual nos acomodamos sem nos entregarmos a nada. Contentamo-nos com uma vida medíocre, obedecendo àquela frase tão portuguesa do ‘vai-se andando’. Claro que quanto mais ‘vamos andando’ mais vamos bloqueando. Por que razão somos assim?

A forma como crescemos é, em grande parte, responsável: vamos sendo moldados pelas crenças vigentes do país, da nossa cultura. E, em todos os contextos, há paradigmas instituídos de como se deve levar a vida para se estar bem. No nosso caso, e em muitas culturas do sul da Europa, a falha é castigada desde cedo nos modelos educativos. Por outro lado, a ideia de sucesso vem associada a status na carreira e a boas condições financeiras que se reflectem no carro que se conduz, na casa na qual se vive, no tipo de roupa que se usa, nos sítios que se frequentam. Quem o consegue, ganha o rótulo de bem-sucedido e portanto (teoricamente) felizardo.

Nem sempre é assim. São muitos os que, neste tipo de vivência, se sentem aprisionados numa gaiola dourada: conquistaram condições confortáveis, mas são profundamente infelizes no seu dia-a-dia. É extremamente difícil conviver com essa infelicidade: as pessoas sentem-se culpadas, ingratas, e vão-se enterrando cada vez mais numa vida que não lhes serve, uma vida instrumental, ou seja, um quotidiano que apenas existe para manter status e conforto aparente. Por outro lado, aqueles que não alcançam o status, a visibilidade, o conforto que ambicionavam sentem-se umas fraudes quando se comparam aos que a nossa sociedade valoriza.

Há muita pressão social para que sejamos todos high performers. Super capazes. A mãe ou o pai sempre presentes, o profissional igualmente disponível, actualizado e motivado, a esposa ou o marido exemplar. Uma pressão para estejamos sempre de bem com a vida.
Há muita informação que nos programa nesse sentido; é a chamada Ditadura da Felicidade.

O facto de não estarmos de certa maneira na vida significa que não somos tão válidos, não pertencemos a um lugar qualquer. Isso leva-nos à comparação com os nossos pares e à avaliação do nosso grau de sucesso e insucesso, não de acordo com o que realmente desejamos mas em função do que consideramos que é suposto.
Tudo isto é operar segundo um automatismo que não faz sentido. Se pararmos para pensar, rapidamente concluímos que aquilo que deixará uma pessoa feliz é distinto do que outra pessoa precisa. Porém, automaticamente, não questionamos, insistimos em seguir a mesma receita.

É importante quebrar este automatismo que nos aprisiona no medo da falha e nos julgamentos sobre nós. Significativo é reflectir quais são as nossas necessidades e o que verdadeiramente contribuiria para nos trazer maior satisfação.

Na carreira, existem realmente casos em que as pessoas estão a falhar porque estão a realizar trabalhos em relação aos quais não têm qualquer tipo de interesse. Conseguem fazê-los mas cada vez com mais auto-sacrifício e desgaste ao longo dos anos, o que obviamente se irá reflectir na sua performance.
A teoria enjoyment-performance do Instituto Harrisson preconiza que, quanto maior o interesse e o gozo que temos em realizar uma tarefa, mais energia geramos, maior será o efeito recompensa, e a vontade de fazer mais. Resultado? Um desempenho exponencialmente melhor.

Noutros casos, a performance até pode não ser afectada mas o preço pessoal que se paga por aguentar um trabalho no qual não nos revemos ou que não nos interessa é tão alto que se vai repercutir no falhanço de outros aspectos importantes, como a saúde ou as relações.

Nestes casos, em vez de estar a insistir em alimentar uma situação que sabemos que não nos serve, é preferível dar-lhe legitimidade e atenção. Ser curioso. Dessa forma podem encontrar-se as pistas para fazer ajustes que conduzam a um maior equilíbrio com o próprio e com a vida.

Claro que poderá falhar porque haverá sempre algo que não vai correr como esperávamos. Isso faz parte da vida. O que é preciso é aprender a viver com isso, aceitar e aprender. Olhar para o que aconteceu e:

– Analisar o que correu bem e que posso replicar;

– Avaliar o que correu menos bem e decidir o que posso fazer de diferente.

Falhar uma ou muitas vezes é diferente de se ser um falhanço.
Nenhum ser humano é um falhanço. Todos são válidos e merecem respeito. Contudo, o respeito começa em nós para connosco, e isso é algo que muitas vezes não fazemos. Precisamos de cultivar a auto-compaixão que passa por aprender a reconhecer necessidades e dar-lhes resposta, em vez de estarmos sempre a tentar provar algo aos outros. Ao longo da sua vida, a única pessoa que será constante, será você. Todas as outras relações serão temporárias. É connosco que teremos de lidar no fim de vida. E aí, bem o mostram os vários estudos sobre os arrependimentos em final de vida: no topo das respostas aparece a mais brutal de todas: “Arrependo-me de ter ido atrás do que os outros ou a sociedade esperava de mim, em vez de fazer o que sentia vontade”.

É isto que quer? Não acredito.
Por isso, atreva-se a falhar, uma, duas, muitas vezes. Isso só quererá dizer o seguinte: que se atreveu a viver, de acordo com um paradigma definido única exclusivamente por si.

E agora diga-me: em que falhei neste artigo para que possa escrever o próximo melhor?