Na 8ª edição das Career Conversations abordámos o tema do valor próprio percebido e carreira, qual a relação? Estas conversas representam um espaço de diálogo no qual desafiamos os paradigmas sobre a vida profissional e abordamos tópicos que apoiam uma relação salutar com a carreira.
Abordamos os seguintes tópicos:
- O que é o ‘valor próprio’
- Como se manifesta na área profissional
- Exemplos de manifestações de baixo ‘valor próprio’
- Recomendações
Apresentamos-lhe uma síntese do que foi partilhado, podendo assistir aqui à versão integral da Career Conversation que inclui as perguntas e comentários de quem participou.
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Valor próprio percebido e carreira – qual a relação?
Acreditamos que o conceito ‘Valor próprio’ não seja óbvio para a maioria das pessoas. Por isso, convém desde já clarificar do que falamos.
Na definição de John Niland, coach e autor do livro “The Self-Worth Safari”, valor próprio é a convicção profunda e incondicional no nosso valor enquanto pessoa, independentemente das nossas conquistas ou resultados. Corresponde a uma relação de lealdade e respeito por nós próprios. Ou seja, a percepção do nosso valor enquanto pessoas não depende, nem se relaciona com condições externas.
Há uns tempos, numa formação sobre o tema, ouvimos uma definição muito simples:
´Ter valor próprio é estar-se atento ao que realmente se precisa e respeitar isso´.
Tendo presente o conceito, partilho exemplos que demonstram fases da minha vida em que não honrei o meu valor próprio. Nessas alturas, acontecia-me ter pensamentos do género:
- ‘quem sou eu para estar ali, naquela função/papel?’,
- ‘estarei à altura de estar ao lado daquela pessoa tão experiente?’.
- ‘O que fiz para merecer aquilo? É bom demais para mim.’ Ou, ‘é mau demais para mim.’ Fosse para um lado ou outro, a premissa presente era a de que eu não seria merecedora.
Porque talvez, suspeitava eu, não tivesse o devido valor.
Como podemos ver por estes exemplos, a noção de valor próprio e de merecimento aparecem intimamente ligadas. Aliás, quando procurámos o significado da palavra ‘valor’ nos dicionários de português e de português-inglês, encontrámos associações como: Digno, merecedor ou meritório.
Efectivamente no nosso trabalho, assistimos a esta associação entre a percepção de valor e o merecimento. Verificamos que muitos sentem que precisam estar sempre a provar que merecem estar ali. Inclusivamente colocam em causa o seu valor ou contributo em função das reações das chefias ou dos colegas. Também se colocam em cheque, quando nos ambientes de trabalho não lhes reconhecem formalmente o seu contributo, e por causa disso consideram que o seu trabalho poderá não ter valor. Nestes casos, as pessoas não estão a honrar o seu valor próprio. Estão a avaliar-se única e exclusivamente em função de factores externos.
Esta constatação remete-nos para o tema da autoestima que é diferente do conceito de valor próprio. A auto-estima, é algo condicional, porque depende dos nossos achievements, da nossa performance, das nossas conquistas, das métricas, como por exemplo as notas que temos na escola, os kilómetros que conseguimos correr, a promoção que obtivemos no trabalho. A maior parte das pessoas actua em função deste paradigma da auto-estima, avaliando-se em função do que conseguem ou não alcançar. Enquanto o paradigma do valor próprio é diferente – consiga ou não, a promoção ou ser recrutado, isso não coloca em causa ser uma pessoa válida com um contributo relevante a dar.
Este tema é estudado na área da psicologia. Contudo, na nossa prática deparamo-nos diariamente com o mesmo e isso tem levado a que nós próprios estejamos a aprofundar cada vez mais o nosso estudo e o nosso conhecimento de forma a acolher estas manifestações de falta de valor próprio. Porque é disso mesmo que tratamos aqui: Como é que a falta de valor próprio influencia o exercício da gestão de carreira e a forma como vivemos os nossos papéis profissionais.
Algumas das consequências desta perceção interna de baixo valor são:
- O incremento da ansiedade,
- A procrastinação,
- A tendência à sobrecarga.
Recorrendo mais uma vez ao trabalho do John Niland, podemos adicionar:
- A necessidade constante de validação,
- A busca pelo perfecionismo,
- A incapacidade de pedir aquilo que precisa, de dar a sua opinião e de dizer ´Não´.
Entre muitas outras.
Numa das vidas prévias que já tive, e para provar aos outros e a mim própria que eu era merecedora das conquistas que alcançava, eu entrava em campeonatos de exigência absolutamente escravizantes. Estudava de forma obsessiva todos os temas em que me envolvesse. Estudava mais do que todos os outros. Enquanto deixava de ter vida pessoal. Fiz isso na faculdade e depois nas áreas profissionais. Nem sequer queria ser a melhor. Eu acreditava que tinha de dar tudo, porque de outra forma, não estaria à altura do investimento que a minha família estava a fazer para eu poder estudar e mais tarde ter um bom ordenado.
Entrei numa espiral sem fim. Precisava de ter a performance “xis” para merecer estar ali. Viver assim tornou-se altamente condicional. E limitador.
Ao precisarmos de provar o nosso ‘valor’ a todo o custo, a toda a hora, estamos na verdade a acusar uma grande falta de Valor Próprio. E sabemos ser esta a vivência que muita gente tem há anos e da qual se tornou refém.
Mas não ficou por aí. Houve alturas em que por causa desse paradigma em que vivia, entrei em fuga ou em procrastinação. Naturalmente! Quando ia a jogo, a exigência que colocava em mim era tão grande, que havia momentos que eu já não queria mais nada a não ser uma pausa. Então fugia ou, nem sequer começava. E sim, já estive à beira de burnout muitas vezes.
Vivi nesta espécie de montanha-russa durante muitos anos. Hoje sabemos que não estou sozinha. Este género de relato está também muito associado à chamada Síndrome do impostor, a qual está muito interligada com a percepção de baixo valor. Segundo a Drª Adia Gooden, psicoterapeuta americana que estuda o tema do self-worth, 70% das pessoas envolvidas em investigação sobre o tema reportam sentir ou já terem sentido por diversas vezes os efeitos desta síndrome.
Recomendamos que assistam à Career Conversation sobre o tema da Síndrome do Impostor que complementa este conteúdo.
Queremos enaltecer, enquanto testemunhas das vivências de outros através do trabalho que realizamos, que há uma enorme alocação de energia dirigida ao exercício de alcance de algo externo, na expectativa de que isso nos faça sentir bem de algum modo. Mas geralmente não faz. Assim que alcançamos algo, já estamos focados na batalha seguinte. Existe demasiado em jogo e não podemos descomprimir. Estamos sempre a correr atrás do próximo objetivo ou problema para resolver. Não podemos parar. Se pararmos corremos o risco de perder algo.
E quando assim é, estamos claramente muito longe da noção de Valor Próprio que, como já referimos, é incondicional. Quando compreendemos o Valor Próprio e atuamos com base nele, não precisamos de provar nada a ninguém.
Tudo o que em tempos persegui para provar aos outros que era merecedora, nunca fez a menor diferença para mim. Lembro-me que quis durante muito tempo a validação dos meus Pais. Depois encontrei um emprego bem remunerado com status e a ganhar muito. Neste trabalho, queria provar às minhas chefias e pares que era boa no que fazia. Contudo nunca fui tão infeliz. De tanto querer provar aos outros que era merecedora, agradar-lhes, perdi-me de mim. Odiava literalmente o que fazia. E a forma como vivia. Os meus dias eram de angústia. Tudo em prol do conforto dos outros. De terem escolhido bem a colaboradora, de terem feito um bom investimento na sua filha. Os outros acima de mim. Quando comecei a aperceber-me disso e do que eu realmente valorizava, percebi que o que eu gostava e era natural em mim, não tinha nada a ver com as escolhas que tinha feito até ali e que um exercício de afirmação pessoal iria afetar o conforto e a satisfação dos outros.
Entre a satisfação dos outros e a nossa afirmação pessoal, a escolha devia ser óbvia, mas não é. Por isso convém ter presente uma ideia chave:
Perdemos demasiado tempo da nossa vida a tentar encaixarmo-nos nas expectativas de algo ou de alguém e depois é nas pequenas coisas que nos damos conta que nos realizamos. Não é preciso criar um império ou fundar uma empresa unicórnio para sermos realizados. São as pequenas coisas suportadas nas nossas forças que nos dão um sentido de significado, de conexão.
Quando eu era miúda, eu escrevia e contava histórias. Daquelas que os professores partilhavam com colegas e alunos. Depois cresci fui estudar ciências e separei-me desse dom. Voltei a reencontrar-me com ele quando aceitei dar uma entrevista ao Pedro Rolo Duarte e contei de forma simples e nada pretensiosa, histórias. Fui surpreendida quando as pessoas me escreveram, me telefonaram para partilhar como aquela entrevista os tinha ajudado. Para mim, eu não tinha feito nada de especial. Simplesmente contei histórias. A partir desse momento, algo se abriu em mim. Foi o início da reconciliação com a minha voz e a minha escrita. Sem esperar nada de volta. Os momentos de maior realização, hoje dão-se quando escrevo, quando comunico.
De tudo quanto já abordámos nas nossas Career Conversations, dos estudos que fazemos, da experiência que temos, temos evidências que quando nos permitimos usar as nossas preferências e as nossas forças, as quais estão geralmente assentes no que nos é natural, e nos permitimos a fazer escolhas alinhadas com estas, as vivências profissionais tornam-se gratificantes. Por outro lado, seguir o que os outros esperam de nós, sem respeitar a pessoa que somos leva-nos a uma vida miserável.
Todos temos forças. E por isso, todos temos um contributo a dar. Podemos ser bons ouvintes, comunicadores, empáticos, fazer boas perguntas, ser organizados, excelentes a resolver problemas.
As forças são o que somos capazes de fazer naturalmente e que quando pomos em prática sentimos uma espécie de energização e entusiasmo. Se não souber identificar as suas forças, fique atento aos motivos pelos quais os outros o procuram. Ou peça feedback a pessoas próximas. A partir daí o importante é focar-se em como as poderá usar. Como as colocar ao serviço. Ser útil. E focar-se nessa contribuição, em vez de estar sempre a avaliar-se, a comparar-se e a pensar no que os outros estão a pensar. Provavelmente estão a pensar neles próprios, e não em si.
Esta é na verdade a primeira recomendação desta Career Conversation: Quando nos focamos no nosso contributo, esse é por si só um exercício de afirmação e de Valor Próprio.
Partilhemos agora exemplos de outros que acompanhámos e retiremos daí aprendizagens e recomendações. Começamos pelo caso de alguém cuja manifestação de falta de valor próprio, passava por a cada processo de recrutamento, preparar-se para dizer o que os outros esperavam. O que era certo para ser a pessoa escolhida! Só que ao ser escolhida, envolvia-se em vivências de tal maneira desgastantes, que esta mesma pessoa acabava por pôr termo às suas relações profissionais.
As respostas ‘certas’ não correspondiam à sua verdade, mas sim aquilo que os outros queriam ouvir. Uma vez iniciada a função, acabava por ter sérias dificuldades, por não se sentir alinhada com o que era esperado. Não conseguia manter a farsa. Com esta clarividência, a grande evolução neste caso, foi entrar num novo processo em que pela primeira vez, não preparou as respostas certas, mas sim as perguntas certas. Ainda antes de entrar no processo, clarificou com o recrutador o que pretendia do projecto profissional, porque se não fosse de encontro do que procurava, não estaria interessada. Foi uma total mudança de paradigma acompanhada de uma enorme paz. Esta pessoa sentiu-se muito bem ao assumir-se.
Com este exemplo reforçamos a importância de se focar no que realmente precisa, respeitando a sua natureza, em vez de querer agradar ou ser escolhido. O que vai completamente ao encontro da definição de valor próprio que partilhámos inicialmente.
Outro caso que acompanhámos foi de uma pessoa que fez praticamente toda a sua carreira numa dada entidade. Uma entidade, da qual esperava iguais oportunidades e condições entre pares. Mas da qual não foi isso que obteve. Por causa disso, começou a desenvolver uma enorme revolta e desmotivação. Para provar que estava à altura dos seus pares e que era merecedora de iguais oportunidades, investiu por conta própria na mesma formação que os seus pares tinham feito e que tinha sido financiada pela organização. Quando começou a recolher mais informação objectiva junto da organização, num exercício de investigação, esta pessoa foi descobrindo que os pares foram mais proactivos e foi por isso que tiveram formação pela empresa. Esta pessoa só comunicava que estava desmotivada e nunca foi capaz de dizer de forma clara o que pretendia da organização. Só agora está a fazê-lo.
A recomendação que lhe queremos transmitir é que se sabe o que quer da organização, perceba o modus operandi da mesma e faça a sua parte. Todos temos a nossa quota de responsabilidade. Se não a consegue ativar pode ser um indicador que precisa desenvolver o seu valor próprio. É importante partir do princípio que tem esse direito, e deve mesmo afirmá-lo a si próprio. Todos temos o direito de pedir. Pode ser-nos concedido, ou não. Mas temos essa legitimidade. Tal como a organização tem legitimidade para recusar. Esta recomendação toca no tema de uma das nossas Career Conversations – A voz como estratégia de gestão de carreira que recomendamos que visionem.
Mais um caso que podemos partilhar é o de uma pessoa que estava completamente sobrecarregada quando chegou até nós. Chegou-nos com a leitura do ‘eu é que sou o problema’. Pois, não era, pelo menos na extensão em que o estava a assumir. Bastou mapear o modelo de negócio pessoal (artigo modelo de negócio pessoal) e cruzar com o descritivo de função para se perceber que esta pessoa estava a fazer o que era suposto e o que não era suposto. A informalidade do contexto e uma função na qual a organização não tinha muita maturidade a nível local, foram a mistura perfeita para acentuar os efeitos que a pessoa sentia. A evolução do processo passou por um pedido de definição de limites claros junto da organização do que era e não era possível. O que levou a que esta pessoa fosse pela primeira vez proactiva no feedback a chefias e pessoas da área de Recursos Humanos.
Este caso representa um exemplo de excesso de responsabilização, que nos poderá levar a pensar que o problema é nosso. Reforçamos a recomendação anterior, sendo que a aprendizagem complementar a retirar é que numa relação o problema nunca é só de um lado. É de ambos, porque a relação faz-se de duas partes e se a forma como estamos a viver o nosso papel se está a apropriar da nossa vida, isso pode denunciar questões de valor próprio. Assumir isso inteiramente a solo só vai agravar o problema e atrasar a evolução da organização para criar condições adequadas. É importante fazer parte da solução e não do problema!
O último exemplo que partilhamos tem a ver com a hesitação em candidatar-se a determinada posição que na verdade é aquela a que almeja. A manifestação da falta de valor próprio é quando a pessoa afirma para si: ‘lá estou eu a colocar-me em bicos de pés’ ou ‘porque haverei de me candidatar quando há tantos outros mais capazes e experientes do que eu?’.
Imaginemos que a posição atual é Manager de uma área local e que a posição é de Direcção ou de Manager de uma área mais abrangente. A pergunta que lhe faço é esta: `Os outros para quem tendemos a olhar saíram dos seus percursos académicos e foram direitinhos para essa posição`? Não! Há um caminho que se faz até se chegar aí. Se não se puser em bicos de pés ou se ficar à espera de que alguém lhe faça o convite porque está a ver em si algo que você não vê, então prepare-se para ficar no ‘beco sem saída’. Você é o principal interessado em evoluir. A evolução e o desenvolvimento só se dão entrando em zonas de desconforto.
Por isso candidate-se, nem que seja para aprender quais são as forças críticas que já possui e quais aquelas que pode desenvolver. Isso vai fazer muito pela sua confiança. Cultive esta noção de que “eu mereço estar aqui e candidatar-me, nem que seja para retirar aprendizagens sobre o que tenho e sobre o caminho que preciso ainda de percorrer”. O desenvolvimento de uma carreira com sentido é um exercício intencional e estratégico. Não é um presente que lhe cai no colo. Não ser escolhido não o torna uma pessoa menos válida.
Ninguém é mais nem menos do que ninguém. Por isso convidamo-lo a sair do paradigma do ‘ter de provar’ para o paradigma do ‘simplesmente afirmar-se’. É nessa decisão que poderemos vir a perceber o contributo que temos para oferecer ao mundo!
Em síntese
Abordámos a noção de Valor Próprio, a sua dimensão de merecimento, e de lealdade incondicional para connosco, e vimos vários exemplos do que pode suceder em termos de gestão de carreira, quando o nosso Valor Próprio é baixo. Tivemos oportunidade de partilhar vários exemplos – nossos, e de clientes que acompanhamos no âmbito do Career Redesign, e de como podemos trabalhar as questões de Valor Próprio ao serviço da gestão de carreira
Assista aqui à Career Conversation integral com os exemplos de pessoas que acompanhámos para ter maior profundidade no tema.
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