Este foi o tema da 10ª edição das Career Conversations. Nestas conversas desafiamos os paradigmas sobre a carreira e abordamos tópicos que possam representar desafios que os profissionais estejam a atravessar de momento. Tudo no sentido de o(a) apoiar numa relação gratificante com a sua vida profissional.
Abordámos nesta sessão:
- O impacto do formato de trabalho na realização profissional,
- As oportunidades e as ameaças à gestão da sua carreira no regresso ao local de trabalho,
- Recomendações úteis.
Apresentamos-lhe uma síntese do que foi partilhado, podendo assistir à versão integral da Career Conversation, a qual inclui as perguntas e comentários de quem participou.
Visite a nossa página do Youtube e comente o que mais apreciou no conteúdo e sugira temáticas para sessões futuras.
Regresso ao local de trabalho: Ameaça ou oportunidade?
Para dar a resposta a esta questão convém primeiro ter a noção do impacto do formato de trabalho na realização profissional. Sabemos que esta depende de vários factores:
– da retribuição financeira,
– se gostamos ou não do trabalho que fazemos,
– se nos identificamos com a equipa e com a empresa,
– da forma como realizamos o trabalho e das condições de que dispomos para o fazer. Ou seja, a realização é influenciada por tudo o que compõe a relação com a entidade ou entidades com as quais colaboramos.
No meu livro Quero, Posso e Mudo de Carreira, e no episódio 6 do podcast com o mesmo nome partilho o conceito de Career Sweet Spot, ou Zona Óptima de carreira.
De acordo com este conceito a nossa realização depende em parte de colocarmos ao serviço as nossas qualidades, explorarmos os nossos interesses no trabalho e do CONTEXTO em que exercemos a atividade. A realização profissional resulta de um equilíbrio de todas estas componentes.
Desenvolver a nossa atividade em teletrabalho ou em presença, impacta por isso na nossa relação com o contexto e com a forma como podemos entregar o nosso contributo. Por isso, sabemos existirem casos em que as pessoas estavam extremamente realizadas na sua relação profissional antes da pandemia e o facto de terem passado a estar em teletrabalho alterou a forma de trabalhar, as dinâmicas pré-estabelecidas e por conseguinte esse estado de realização.
Um exemplo: Tivemos a oportunidade de acompanhar uma pessoa que havia iniciado funções há cerca de 2 anos numa empresa. Sentia-se radiante e a desfrutar da experiência. A sua relação com a chefia era excelente. Contudo, ao ser activado o regime de teletrabalho, o caos instalou-se e a atitude da chefia mudou. Esta relação passou a ser uma fonte de desgaste. O impacto foi de tal ordem que esta pessoa sentiu necessidade de repensar a sua carreira, porque a situação se tornou demasiado confusa para si, ao ponto de acreditar que tinha de sair da empresa.
Se quiser conhecer o desfecho deste exemplo, assista à gravação da Career Conversation.
Tendo por base este exemplo que está longe de ser caso único, convém salientar que as pessoas que nos chefiam não estavam provavelmente preparadas para o contexto de teletrabalho. Tal como cada um de nós também não estavam, nem as próprias organizações. Não existiam recursos e métodos de trabalho pré-estabelecidos para esse modus operandi por sistema. Só que os líderes pela posição que ocupam e pela autoridade que têm sobre o nosso trabalho, acabam por ter um impacto adicional, cumulativo a todas as outras mudanças.
O teletrabalho tem as suas ‘armadilhas’. Sempre teve. Antes da pandemia, já existiam equipas virtuais e pessoas em teletrabalho. E já há muito era conhecida a importância das dinâmicas necessárias para fazer a equipa funcionar nesse formato. No trabalho à distância, é mais difícil a construção da confiança. As pessoas não estão connosco, sendo mais fácil surgirem conflitos fruto de mal-entendidos decorrentes das formas de comunicação usadas. Da mesma forma é também maior o desafio na sua resolução.
Simon Sinek, no livro “Leaders Eat Last” (na edição portuguesa, “Os líderes comem em último”), explica que quanto mais tempo passamos com uma pessoa, mais aprendemos a confiar nela e vice-versa. Essa interação induz biologicamente, maiores níveis de oxitocina, que é a hormona relacionada com o sentido de estima e afecto pelo outro. É como se, por magia, passássemos a ter um laço maior com esta pessoa. Ora, isto também é válido no sentido inverso. Ou seja, na ausência de contacto, se nos cingirmos apenas ao e-mail e às mensagens escritas, mais dificilmente se cria confiança, os laços são mais frágeis e as pessoas facilmente tendem a julgar o outro como inimigo ou perigo.
Por tudo o que até aqui já foi abordado torna-se óbvio que o teletrabalho tem os seus riscos, os especialistas que defendem o teletrabalho também o reconhecem. Razão pela qual recomendam para gestão adequada deste formato de trabalho, uma mudança de mindset nas lideranças, especialmente nas lideranças de topo e oriundas das gerações.
Baby Boomers e até da geração X. Porque a verdade é que para a maioria das pessoas é uma prática nova, que não é familiar. Não aprendemos a trabalhar desta forma ao longo das nossas vidas. Este formato requer repensar práticas, processos, políticas de trabalho e até espaços de trabalho. Requer tempo e energia investidos na mudança de cultura organizacional, requer dotar as pessoas das ferramentas, tecnologias e mindset necessários para poderem trabalhar com sucesso.
Um outro exemplo que é ilustrativo dos desafios do teletrabalho, é o de um outro caso que acompanhámos: Quando entrou em teletrabalho, a pessoa literalmente deixou de ter vida. O que foi em muito potenciado pelo facto de trabalhar com outras geografias a nível global, estava sempre ligada. Das 7H às 23H com um impacto enorme na sua qualidade de vida, nomeadamente na perda de qualidade de sono, capacidade de atenção, exaustão e muito mais. Esta pessoa tinha autonomia na sua função.
Por isso, o movimento que fez para restabelecer equilíbrios de vida passou por criar critérios diferentes na gestão da sua equipa e definir limites e regras de trabalho com os seus stakeholders. Nomeadamente decidir que reuniões aceitava ou não com base no propósito e relevância destas. Foi um desafio enorme, mas superado.
Agora, está radiante porque regressou ao local de trabalho em sistema híbrido e nesse regresso manteve todos os limites que foi capaz de criar durante o teletrabalho. Nos dias em que vai ao escritório, depois de sair da empresa não abre o computador, nem o e-mail no telemóvel.
O facto de ter estado numa situação extrema fez esta pessoa ter aprendizagens muito ricas, embora tenha tido de chegar a uma situação limite para conseguir ter essa aprendizagem.
Em ambas as situações que até agora mencionámos, as pessoas regressaram em sistema híbrido, ou seja, alguns dias em teletrabalho e outros presencialmente, sendo sua a decisão de o fazerem. Esta possibilidade está a ser uma tendência em muitas empresas.
Também é a opção que aparentemente as pessoas mais apreciam. Porque por um lado permite poupar tempo em deslocações, disponibilizar tempo para áreas de vida pessoal, realizar cursos e manter o seu foco numa mudança profissional, se for esse o caso. Ao mesmo tempo que podem ter a componente social de interação com os colegas, fortalecer o sentido de pertença com as equipas. Além disso, a opção de escolha é valorizada em geral por todas as pessoas, de todas as gerações. Todos nós apreciamos ter poder de decisão sobre as nossas vidas.
Para reforçar esta ideia podemos mencionar o Estudo que foi realizado a propósito do impacto dos sistemas híbridos, num inquérito a 1000 norte americanos, em Maio de 2021. Os resultados mostraram que 39% considerariam demitir-se caso os seus empregadores não fossem flexíveis em relação ao trabalho à distância. E entre os millennials (nascidos entre 1980 e 1994) e a geração Z (1995-2010), a percentagem aumenta para 49%.
Não admira por isso que uma das estratégias mais discutidas de momento para as organizações atraírem talento no futuro, seja disponibilizar a opção do trabalho remoto, num modelo que no mínimo deve ser híbrido.
Quando passamos para a realidade portuguesa, o Público online, a 31 de Maio, dava conta de um Estudo do ‘Observatório da Sociedade Portuguesa na Universidade Católica de Lisboa’, no qual foram inquiridos 1000 trabalhadores portugueses. Daqueles que estavam em Teletrabalho, 80% preferiam continuar em teletrabalho até 4 dias por semana, apesar de admitirem que em casa têm menos qualidade nas condições de trabalho. Ou seja, preferem um sistema híbrido, que alterna o virtual com a presença física.
Regresso ao local de trabalho: Oportunidade.
Voltando ao tema deste artigo e aos tópicos que nos propusemos abordar, se repararmos, nos dois exemplos reais que demos, o teletrabalho impactou inicialmente de forma negativa na realização profissional. As pessoas em causa, conseguiram encontrar estratégias para contornar esse impacto, mas sem dúvida encaram de forma muito natural, o regresso ao local físico como uma oportunidade e até como uma estratégia geradora de mais equilíbrio.
Segundo diversos estudos, o regresso aos locais de trabalho também é encarado como oportunidade noutras situações:
- No caso de quem iniciou há pouco tempo funções numa nova empresa e quer estabelecer sentido de pertença. Além disso está em plena fase de aprendizagem e por isso tem interesse em estar nos locais de trabalho.
- Para quem se está a querer posicionar intencionalmente para participar de certos projetos ou alavancar um tipo específico de experiência.
- E para quem pretende trabalhar networking para potenciar uma mudança de função internamente ou até uma promoção.
As nossas recomendações para quem queria potenciar as oportunidades de regressar ao local de trabalho são as seguintes:
- Se pretende mudar internamente de área, ter novos projetos, posicionar-se para uma promoção, ou alimentar o seu sentido de pertença, o regresso aos locais físicos são muito favoráveis para ter conversas com pessoas que possam ser aliadas nessa mudança. O pretexto perfeito para iniciar a conversa é perceber qual é o estado geral das coisas e o que se perspetiva de diferente ao nível do negócio, da estrutura e de oportunidades com o desconfinamento a acontecer. Vai daí recolher informação muito relevante.
- Se por outro lado, iniciou funções há pouco tempo, aproveite para conhecer melhor os seus interlocutores e ter ‘aquelas conversas mais sociais’ que nas calls não surgem tão espontaneamente, como por exemplo: ‘o que prefere? – estar em teletrabalho ou em presença?’, ‘saiba como a pessoa iniciou a sua colaboração ali’ e conte um pouco da sua história e das suas preferências.
- Em qualquer dos casos, aproveite também para perceber como irão as coisas funcionar daqui em diante para se poder organizar nesta fase de transição. Porque verdade seja dita, se tivemos de nos adaptar ao teletrabalho, agora estamos novamente numa fase de transição em que nos teremos de adaptar ao modelo híbrido ou ao modelo em full time Isso implica criar novos hábitos e formas de se organizar, com inevitáveis reflexos nas dinâmicas profissionais.
Regresso ao local de trabalho: Ameaça.
Sabemos pelo trabalho que desenvolvemos que muitas pessoas já antes da pandemia estavam insatisfeitas na sua relação profissional, sendo que o teletrabalho lhes trouxe algum oxigénio. Representou para estes casos a possibilidade de ter tempo, espaço e liberdade à reflexão sobre a vida profissional. Em particular, para pessoas com relações tensas com as suas chefias ou com o ambiente de trabalho, muitas vezes negativo e tóxico. Em alguns casos protegeu as pessoas em alguma medida. O não estar exposto presencialmente a estes fatores, trouxe alguma acalmia e paz de espírito. Naturalmente que quem está em situações desta natureza, regressar ao local físico de trabalho representa perda desse espaço e dessa liberdade, logo uma ameaça.
Da experiência de acompanhamento que temos, a conclusão a que chegamos é que, para quem vive relações disfuncionais com o seu trabalho, com a sua organização ou com as pessoas que estão nela ou, para quem está numa estrutura em que o ambiente é negativo ou tóxico, há mais resistência ao regresso. Com a agravante que sente que perde tempo e espaço para explorar outras possibilidades. Mas perde também energia e foco, logo haverá mais gestão de esforço. E por isso mesmo, este regresso está também a servir para alguns como impulsionador de mudança. Há por isso quem decida que o regresso será temporário, ganhando um novo foco na gestão da sua carreira. Ter um motivo forte é muitas vezes o que precisamos para alocar recursos para uma mudança.
As nossas recomendações para quem encare o regresso ao local de trabalho como ameaça são as seguintes:
• Se o que procura é mudar de emprego, de sector, ou até de carreira e está de regresso em sistema híbrido sugerimos que no seu planeamento reserve os dias em teletrabalho para as ações intencionais na direção da mudança, como marcar calls ou almoços com pessoas que o possam ajudar, fazer cursos, participar de processos de recrutamento.
• Se o que procura é mudar de emprego, de sector, ou de carreira e está de regresso em full time ao local de trabalho, o mais certo é que chegue ao final do dia sem energia para conseguir trabalhar a sua mudança, isto porque conviver com uma situação insatisfatória drena recursos. O que a maioria das pessoas que acompanhamos acaba por fazer e que se revela ser mais produtivo é realizar algumas ações ainda antes de entrar no horário de trabalho, concentrar conversas ou participação em processos de recrutamento à hora de almoço. Para alguns, parte do trabalho é realizado ao fim de semana, que é quando sentem mais disponibilidade mental para o tema. Contudo, o lema que recomendamos é fazer diariamente algo, isso é melhor do que não fazer nada, nem que sejam 10 minutos. Para mandar uma mensagem no Linkedin, para ver as ofertas nos sites que já programou, para fazer uma chamada para alguém que o pode ajudar. Às vezes existe aquela tendência para só agir quando se tem 2 ou 3 horas disponíveis. Isso é só um protelar. Convém ser realista e organizar a sua agenda, é preferível e realista programar 15 ou 30 minutos diários focados, do que estar a ambicionar slots de 3 horas de cada vez.
Dar prioridade ao tema, foco e persistência são chave do sucesso na mudança, a par de uma atitude de aprendizagem.
É importante enaltecer que apesar de nestes casos poder haver percepção de ameaça convém ter presente que nem tudo são desvantagens. Quem está a agir em direção a uma mudança, estando empregado tem mais margem negocial num processo de recrutamento e também fica com mais graus de liberdade para rejeitar ofertas que não lhe interessem. Psicologicamente isso conta e muito, quando se procura uma mudança para melhor.
Este pode estar a ser, para muitos profissionais, um momento de reality check. Como de resto, aliás, todo o contexto de pandemia, que nos obrigou a (re)pensar a vida, o trabalho, e aquilo que é mais importante para nós. Temos vindo a afirmar isto em muitas Career Conversations: a pandemia foi e está a ser uma oportunidade para um reality check.
Se as práticas, processos e políticas de trabalho que está a viver neste momento não estão alinhadas consigo, não ignore o tema. Se já sugeriu mudanças e nada acontece, então esteja atento a outras organizações alternativas. Comece a fazer perguntas na sua rede de contactos, a pessoas que conhece e que trabalham noutras organizações. Ou se trabalha numa grande empresa, será que existem outras direções ou áreas da empresa onde seja possível trabalhar de outra forma, mais alinhada com aquilo que ambiciona? Vale a pena fazer o trabalho de casa e estar atento.
Em síntese,
Nesta Career Conversation,
Verificámos que o formato em que desenvolvemos o nosso trabalho tem impacto na realização profissional. Por isso mesmo, há pessoas que neste momento encaram o regresso ao local físico de trabalho como oportunidade e outras como ameaça.
Finalmente demos recomendações simples e práticas que, de acordo com a nossa experiência, poderão ajudar os profissionais a uma gestão proactiva do seu regresso, mantendo o foco no que pretende alcançar na sua carreira. Defendemos que ações simples e diárias fazem mais pelo seu progresso do que ações concentradas e pontuais.
A grande mensagem que quisemos reforçar é independentemente do que esteja a acontecer no contexto, este é um bom momento para reavaliar a sua situação profissional e gerir proactivamente a sua carreira. Pois se é verdade que algumas portas se fecharam, outras janelas se abriram e a vida prossegue. Por isso, tome as rédeas da sua vida dentro do que pode controlar.
Assista aqui à Career Conversation integral com os exemplos de pessoas que acompanhámos para ter maior profundidade no tema.
Registe-se aqui para assistir às Career Conversations.
São disponibilizados benefícios exclusivos a quem se registe e assista às sessões, nomeadamente:
- Recursos adicionais para trabalhar e reflectir sobre a situação profissional,
- Feedback personalizado sobre a sua situação actual, posteriormente à sessão.
Subscreva o nosso canal no Youtube e deixe-nos comentários e sugestões para as próximas Career Conversations.