Este foi o tema da 9ª edição das Career Conversations. Nestas conversas desafiamos os paradigmas sobre a vida profissional e abordamos tópicos que apoiam uma relação salutar com a carreira e suportam um caminho de maior realização.

Abordámos nesta sessão:

  • Desafios mais comuns em 3 tipos específicos de mudança de carreira
  • Recomendações para lidar com esses desafios
  • Exemplos reais de pessoas que passaram por estas mudanças

Apresentamos-lhe uma síntese do que foi partilhado, podendo assistir aqui à versão integral da Career Conversation, que inclui as perguntas e comentários de quem participou.

Visite a nossa página do Youtube, e comente o que mais gostou no conteúdo e faça-nos sugestões de temas para sessões futuras.

Mudei. E agora? Desafios no pós-mudança.

Se nos segue há algum tempo, já sabe que na nossa atividade, acompanhamos pessoas que procuram realizar uma mudança intencional na sua carreira. Apoiamos também quem já tendo mudado de área, de função ou tendo até criado um negócio próprio, encontra desafios específicos para os quais precisa de apoio. Nesta fase surgem questões muito concretas, para as quais não se têm respostas imediatas e o processo de gestão/adaptação à mudança pode ser solitário e até incompreendido.

Os desafios variam consoante o tipo de mudança que se está a viver. Neste artigo, abordamos três tipos de mudanças frequentes:

1) PASSAR DE TÉCNICO A GESTOR – ou seja, ascender a uma posição de gestão (coordenação ou chefia), vindo de um papel técnico.

2) PASSAR DE TÉCNICO A EMPREENDEDOR – ou seja, empreender, depois de uma carreira no mundo corporativo.

3) PASSAR DE EXPERIENTE A APRENDIZ – ou seja, desenvolver um novo papel profissional, depois de uma carreira com um foco completamente distinto.

Aprofundemos os desafios e recomendações que poderá ativar em cada uma destas mudanças.

1) PASSAR DE TÉCNICO A GESTOR

Esta é, sem dúvida, a mudança mais frequente com a qual nos deparamos: ascender a uma posição de gestão, vindo de um papel técnico.
Na maioria dos casos, as pessoas que passam por esta mudança fizeram até aqui um percurso técnico, no qual se revelaram competentes, onde se destacaram no seu desempenho, e onde mostraram boas capacidades interpessoais. Por tudo isto, foram promovidas a uma posição de gestão. Apesar de se tratar claramente de uma promoção e de uma evolução na carreira, este acontecimento marca para muitos o início de uma vivência caracterizada por dúvida, esforço e frustração.

Vamos a um exemplo real: em tempos, um profissional que acompanhámos, depois de um percurso técnico de 20 anos, foi consensualmente escolhido na entidade onde trabalhava como a pessoa mais adequada para assumir uma função central de gestão, com elevado grau de autoridade. Quando chegou até nós, esta pessoa disse-nos: ‘Sou prisioneiro do meu próprio sucesso!’. Esta pessoa sentia que não queria nada daquilo para si e tinha uma enorme vontade de se afastar. Com a agravante (tantas vezes presente) de ter de gerir pessoas, das quais fora colega por longos anos. O desafio no seu entender era imenso, e havia duas grandes perguntas na sua mente:

  • ‘Serei eu capaz de gerir pessoas?’
  • ‘Qual o impacto que as minhas decisões irão ter junto dos meus antigos colegas/pares, com quem me dei sempre tão bem, e que são agora meus colaboradores?’

Este é um dilema frequente quando se evolui de uma carreira técnica para uma posição de gestão numa organização na qual se está há algum tempo. Ao iniciar o papel as pessoas confrontam-se com dificuldades, que para muitos são inesperadas.

A primeira delas é a perspetiva com que se entra na função: num dia as pessoas passam a pasta enquanto técnicos e no dia seguinte assumem a nova função de gestão, sem qualquer tipo de preparação prévia, sem tempo para planearem a sua entrada. Naturalmente, a pessoa que estava no papel de técnico é a mesma que estará no papel de gestor, e por esse motivo, agora teremos um gestor formalmente no papel, que se comportará como um técnico se nada fizer para se desenvolver.

O que significa isto?

Significa que irá manter o seu foco na execução de tarefas, e na resolução de problemas, vivendo o quotidiano tipo “bombeiro”, em que se passa o tempo a apagar fogos, com a sensação de chegar ao final do dia e de não ter sido produtivo. Já para não falar na loucura do multitasking em que se tenderá a envolver, com todo o desgaste e stress inerentes. Quer chegar a todo o lado e a todos, e provar que é merecedor de estar ali naquele papel.

E é natural! Afinal terá sido essa forma de atuação – a de executar bem, que o/a terá levado a destacar-se e até a conseguir a promoção. Mas neste novo papel, esse modus operandi vai com toda a certeza levar a equipa a perder eficácia e eficiência. Já deverá ter ouvido falar do Princípio de Peter ou o Princípio de incompetência de Peter: ‘num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência’. Ou, no jargão organizacional, ‘perde-se um bom técnico e ganha-se um mau chefe!’

Mas não tem de ser assim.

Nestes casos é fundamental ganhar perspetiva sobre o novo papel profissional. Como? Apostando em analisar, observar, estudar, aprender, antes de atuar. Entrar com calma, sem querer mudar o mundo numa semana. Ou, para quem já assumiu recentemente a função, parar para fazer esta análise, este tomar o pulso à função e ao contexto.

Uma excelente forma de começar, é procurar na descrição de funções as suas responsabilidades, que vêm geralmente descritas com verbos. Irá provavelmente encontrar verbos como: coordenar, planear, assegurar que algo se verifique, o que é diferente de: executar, implementar, operacionalizar, cujo foco é a tarefa. Então, a primeira mudança a fazer é alterar a forma de planear a agenda, que deverá agora ser construída de modo a refletir as atividades chave do seu papel e não as do técnico, esta é a nossa primeira recomendação. Sabemos ser simples conceptualmente, mas muito desafiante na prática porque pressupõe parar e analisar para só depois ter retorno. Retorno esse que pode não ser imediato, mas sim de médio prazo. O que para quem transita de um papel técnico é sentido como contranatura!

Quando a perspetiva é de execução, o foco é no curto prazo e quando o gestor o adota torna-se no ‘gestor heroico’, que salva a equipa a todo o momento, e que tem a recompensa imediata e o alívio de ter eliminado um problema, ou ter respondido a algo ou a alguém. Mas a equipa a médio prazo deixará de ter rumo e na verdade o gestor é só mais um elemento operacional, que poderá estar a reduzir o seu poder de influência na organização e a invadir a zona de responsabilidade dos seus colaboradores, bem como a impedi-los de se desenvolverem. Entretanto, o verdadeiro trabalho do gestor vai continuar por fazer.

Há ainda uma segunda recomendação que gostaríamos de partilhar, por nos apercebermos que a maioria das pessoas desconhece: a importância de mapear as relações chave ou os stakeholders. A equipa será um deles, mas haverá outras pessoas/papéis fundamentais, como os pares. Os pares são muito importantes, porque poderão estar em funções há mais tempo e podemos aprender com eles por observação: como é que eles lidam com determinados assuntos, como é que estão em reuniões. Além disso, é essencial compreender em que medida o trabalho que é feito na nossa área afeta e influencia o trabalho das áreas dos pares. Saber disso é essencial para construir sinergias entre áreas e criar condições para as equipas respetivas poderem colaborar. Isso é responsabilidade do gestor.

Finalmente temos a chefia. Na relação com a chefia é da máxima relevância a pessoa ser capaz de pedir orientação e não ficar refém da crença tão frequente de que ‘o meu chefe tem de me desenvolver’. Quantas vezes assistimos a pessoas que querem sair das organizações porque a sua chefia não as desenvolve!

É importante lembrar-se que, antes de ser chefe, o seu chefe é uma pessoa. Se ele também for um técnico que progrediu para a carreira de gestão, o mais certo é não ter a sensibilidade para elaborar consigo um plano de desenvolvimento para a função.
Assim, a nossa recomendação ao recém gestor é que perceba o que sabe e não sabe fazer no novo papel e que peça apoio adequado para cada lacuna, nomeadamente:

  • Peça formação em gestão de equipas,
  • Identifique um mentor informal na organização,
  • Tome medidas por sua iniciativa, tais como: procurar um mentor ou coach externo, ler livros de gestão, procurar grupos de pessoas com esse tipo de função e aprender com eles ao mesmo tempo que faz networking.

O linkedin tem inúmeros grupos de profissionais aos quais pode aderir e participar para potenciar aprendizagens. Mas há outras plataformas onde pode encontrar profissionais que se entreajudam em torno de um tema de interesse comum, como é o exemplo da plataforma Meetup.

Então e se ainda assim a pessoa descobre que não quer ser gestora?

Isso acontece. Há casos em que mesmo com apoio e com todas as ferramentas e recursos, o que a função de gestão pede não está de todo alinhada com os seus interesses e preferências. A pessoa pode preferir ter um trabalho mais técnico e não gostar sequer de se relacionar com pessoas. Geralmente o que acontece é o regresso à carreira técnica. Ao longo do tempo é possível evoluir em complexidade, tornando-se especialista de determinado tema. Há inclusivamente empresas que já possuem as chamadas carreiras em Y, em que a pessoa poderá evoluir para a gestão ou para a especialidade técnica. Se essa solução não for viável na organização onde tem estado, poderá ser necessário mudar de organização.

2) PASSAR DE TÉCNICO A EMPREENDEDOR

Há pessoas que desenvolveram toda a sua carreira numa ou várias organizações e a certa altura, movidas por uma paixão ou por força das circunstâncias, decidem trabalhar por sua conta.

Michael Gerber descreve no seu livro E-Myth , o chamado Mito do Empreendedor. Segundo o autor, a maioria das pessoas que decide criar o seu próprio negócio tomaram essa decisão quando estavam a desenvolver trabalho técnico no qual eram particularmente boas! Um dia, por vários motivos como:

  • a frustração com o valor do seu vencimento no final do mês,
  • a falta de reconhecimento do seu esforço ou impacto,
  • a vontade de serem independentes,

decidem ser empreendedoras. Segundo M. Gerber, esta é a causa raiz para que muitos negócios falhem. O negócio que deveria libertar o técnico das limitações do seu trabalho por conta de outrem, vem na verdade aprisioná-lo ainda mais. De repente, o trabalho que ele sabia fazer muito bem torna-se no que ele tem de fazer, acrescido de uma enorme quantidade de outras coisas que ele não sabe fazer de todo e, pior, não gosta!

Nesta situação, chegam até nós as pessoas que foram completamente engolidas pelo negócio que criaram, colocando em causa tudo o resto na sua vida e entrando em modo de sobrevivência. Ou seja, entram numa espiral de exaustão, porque fazem de tudo, sentem que não podem parar, porque se o fizerem não faturam. Elas são o negócio, sem limites saudáveis traçados. O desfecho destes casos depende de muitos fatores presentes na vida e na expectativa de cada um.

Sim, há quem desista dos seus negócios iniciais, mas há também quem persista aprendendo a atuar de forma diferente. Isso depende essencialmente de um espírito crítico, ou melhor, da mudança de paradigma: serem capazes de deixar para trás a pele do «técnico» e focarem-se no negócio, em vez de se focarem nas tarefas que dominavam até aqui.

Ao trabalhar por sua conta, a vivência profissional muda radicalmente e surgem dificuldades muito específicas:

  • A perda da estabilidade financeira e a dificuldade em gerir-se sem rendimento regular e fixo.
  • A dificuldade em gerir o tempo. Agora as pessoas não têm ninguém que seja dono do seu tempo e as escolhas ficam inteiramente do seu lado. Muitos dispersam porque não estão habituados a ter tanta responsabilidade de decisão.
  • A constatação que há muitas responsabilidades diferentes para além daquela que o/a moveu a trabalhar por conta própria: angariar clientes, faturar, gerir tesouraria, comunicação ou marketing. Ou seja, desenvolver o foco no negócio.

Uma das recomendações que fazemos a quem se veja nesta situação é que procure pessoas que já passaram pelo mesmo e que foram capazes de contornar os desafios. Por isso recomendamos que adira a comunidades específicas, como:

  • Comunidades de trabalhadores remotos,
  • Comunidades de freelancers,
  • Comunidades de nómadas digitais,
  • Comunidades de mulheres empreendedoras,

Veja neste artigo, uma lista extensa de referências que poderão consultar para o efeito.

Pode também fazer-lhe sentido recorrer a um mentor de negócio ou a um coach que o apoie a desenvolver o foco no negócio e, ao mesmo tempo, a estabelecer limites saudáveis com o seu projeto, para salvaguardar o equilíbrio de vida e trabalho. Esses limites poderão passar por identificar o que gosta e faz bem e o que não aprecia fazer e que poderá ter vantagem em subcontratar terceiros. Há inúmeros profissionais especializados no mercado que podem apoiar o empreendedor nesses trabalhos, de formas muitos flexíveis, que não pressupõem contratações a tempo inteiro. Esse é um investimento que acaba por ter retorno, porque liberta o empreendedor para sua real proposta de valor.

Outra recomendação é identificar o estilo de vida que quer ter e desenvolver o projeto de forma a respeitar esse estilo de vida desde o primeiro momento. Aqui dou o meu exemplo: o Career Redesign® nasceu numa altura em que eu queria ser uma mãe presente e todo o trabalho foi pensado de forma a assegurar essa prioridade, a começar pelos horários, das 8H às 17H para poder estar com o meu filho.

3) PASSAR DE EXPERIENTE A APRENDIZ

Ou seja, desenvolver um novo papel profissional depois de uma carreira com um foco completamente distinto. Falamos por exemplo, de deixar de ser Controller e passar a trabalhar como HR Business Partner, ou deixar a Engenharia Civil e tornar-se Programador.

Posso incluir a minha própria experiência: evoluí de uma função associada à Qualidade, Higiene e Segurança no Trabalho para o desenvolvimento pessoal e profissional. Aliás, partilho a minha história no livro Quero, Posso e Mudo de Carreira onde identifico os meus principais desafios. Desafios esses que são frequentes nas mudanças deste tipo, em que o foco de trabalho é tido como novo e por causa disso o principal desafio é gerir a Síndrome do Impostor. Pelo menos até termos evidências de que somos capazes de fazer bem, e de ter um impacto válido. Recomendamos que visualize a nossa Career Conversation sobre este tema.

Estas mudanças são tipicamente feitas em direção a escolhas mais alinhadas com as preferências e os interesses das pessoas e, sendo verdade que há uma fase de desconforto, o ritmo de aprendizagem e de evolução tende a ser maior do que aquele que se teve no percurso anterior.

Mais uma vez falo do meu caso: quando mudei das áreas técnicas para as áreas comportamentais, comecei a fazer atividades que outros colegas consultores demoraram mais tempo a fazer. A minha motivação e interesse eram de tal ordem, que associados a um grande sentido de responsabilidade, fizeram com que eu desenvolvesse muito rapidamente ferramentas que me permitiram ganhar confiança no trabalho que fazia.

Eis as nossas recomendações a quem esteja nesta situação:

  • Observar, perguntar e aprender junto dos colegas que fazem o mesmo há mais tempo,
  • Apostar na capacitação dos temas que provocam maior insegurança, ao mesmo tempo que se vai entrando na função,
  • Ser transparente na relação com a chefia, partilhar dificuldades e pedir ajuda para contornar desafios
  • Ser paciente. Aceitar que a construção da confiança numa nova função leva o seu tempo e faz parte de uma escolha consciente que se fez e que o coloca num caminho muito mais gratificante de vida profissional.

Em síntese

Nas 3 situações específicas de mudança que abordámos:

1) PASSAR DE TÉCNICO A GESTOR

2) PASSAR DE TÉCNICO A EMPREENDEDOR

3) PASSAR DE EXPERIENTE A APRENDIZ

Há recomendações transversais, nomeadamente:

• Aceitar que haverá um período de transição e de aprendizagem em que é aceitável sentir-se insegurança e desconforto.
• Ativar diferentes formas de apoio e capacitação para os temas mais críticos em relação aos quais esse desconforto seja maior. Vimos várias formas de capacitação:
– Aprender informalmente com quem faz o mesmo há mais tempo
– Procurar mentores ou coachs
– Frequentar cursos
– Procurar comunidades com atividades em comum, pela partilha de experiências

O que é fundamental percebermos é que não estamos sozinhos nestes desafios. Há muita gente que, tal como nós, já passou por eles, ou está de momento a enfrentá-los. O que garantimos é que sozinho é muito mais difícil lidar com os desafios.

Há uma frase que diz:

“Sozinho até pode ir mais depressa, mas acompanhado chegará certamente mais longe.”

Nós acreditamos que quer chegar longe e deixar o seu contributo e a sua marca.

 

Assista aqui à Career Conversation integral com os exemplos de pessoas que acompanhámos para ter maior profundidade no tema.

Registe-se aqui para assistir às Career Conversations

São disponibilizados recursos adicionais para trabalhar e reflectir sobre a situação profissional, a quem se registe e assista em directo às sessões das Career Conversations.

Subscreva o nosso canal no YouTube e deixe-nos comentários e sugestões para as próximas Career Conversations.