Ouvimos falar com frequência, de como a globalização e a tecnologia têm mudado a forma como vivemos e trabalhamos. Contudo, nos próximos anos o tema do aumento da longevidade vai provocar mudanças igualmente profundas e relevantes nas nossas vidas pessoais e profissionais.

Nos últimos 200 anos, a esperança média de vida aumentou de forma constante, 2 anos a cada década. Mantendo-se esta tendência, se tem hoje 20 anos, tem uma probabilidade estimada em 50%, de viver mais de 100 anos, se tem hoje 40 anos, terá uma elevada probabilidade de chegar aos 95 anos. Se tem 60 anos, tem uma probabilidade considerável de alcançar 90 ou mais anos.

Ao longo do século XX, emergiu a perspetiva de vida segmentada em 3 estágios específicos: educação – emprego – reforma.

Imagine que a sua esperança média de vida aumenta, mas a idade da reforma permanece fixa. Não é preciso pensar muito, para nos apercebermos do problema imediato que isto provoca: a maioria das pessoas simplesmente não tem forma de financiar uma reforma generosa, se viver por mais tempo. A solução que surge de imediato na nossa cabeça passa por trabalhar por mais tempo, ou viver na reforma com uma pensão pequena. Visão pouco atrativa para a maioria!

Não existem hoje quaisquer dúvidas de que teremos de trabalhar por mais tempo do que aquilo que esperaríamos (a idade da reforma atual é 66 anos e 3 meses e em 2019 prevê-se ser 67 anos), o que leva a que o modelo de vida adotado no século XX, deixe de ser funcional e perca cada vez mais o seu sentido.

Viver por mais tempo vai implicar um redesign de vida e um redesign profissional. O que hoje já se sabe sobre o futuro:

  • As pessoas irão trabalhar até aos 70-80 anos
  • Surgirão novos trabalhos, novas profissões e serão necessárias novas skills: já é conhecido o impacto que a evolução da robótica e da inteligência artificial irá produzir na substituição de tarefas repetitivas e mecanizadas. Em vidas mais curtas, as skills que se adquirem na casa dos 20 anos, são muitas vezes suficientes ao longo da vida ativa, sem ser necessário grande reinvestimento. Se trabalhar até aos 70 ou 80 e considerando a velocidade com que a mudança tecnológica e dos mercados está a acontecer, é evidente que para se manter atrativo ao mercado, será necessário reaprender e adquirir novas skills ao longo da vida.
  • Ter as finanças equilibradas será importante, mas não é tudo! Uma vida longa bem aproveitada implica equilibrar recursos financeiros e não financeiros, como sejam os sociais, físicos, psicológicos e emocionais. Não pode ter uma carreira longa e suportada financeiramente, sem skills, saúde e relações (redes adequadas).
  • A vida passará a ter múltiplos estágios. Já existem muitas pessoas que já estão a experimentar abordagens novas e a diversificar as suas carreiras, de forma diferente daquela que a perspetiva dos 3 estágios na vida, nos referenciava. Mesmo assim, este ainda é o modelo dominante presente na mente das pessoas. Uma vida em múltiplos estágios, implica necessariamente mudanças de carreira: numa primeira fase pode maximizar as suas finanças, dedicando o máximo do seu tempo à carreira, noutro estágio pode optar por apostar num equilíbrio maior entre a vida familiar e profissional e pode inclusive direcionar a sua vida em torno de um trabalho com maior impacto social.
  • As transições passarão a ser norma: Se o tempo de vida profissional aumenta, irá necessariamente haver lugar a mais transições de carreira. Tal obrigará a maior flexibilidade, à aquisição de novos conhecimentos, explorar novas formas de pensar, construir novas relações. Todos estes aspetos constituem recursos transformacionais, ou seja os recursos críticos que potenciam oportunidades numa longa vida ativa.
  • A re-criação será mais importante do que a recreação: Com maior número de transições, é necessário investir para poder adotar novos papeis profissionais. Uma parte do tempo de recreio será investida na angariação de skills, saúde e relações.
  • Ter opções será cada vez mais valorizado: No modelo do século XX, quando alguém escolhe fazer algo na vida, escolhe também não fazer mais nada. De futuro, ter opções é fundamental. O valor de cada opção irá depender do período durante o qual será válida e qual o risco que lhe está associado.
  • Haverá mais experimentação: porque não se sabe exatamente o que vai suceder e a incerteza será constante, a inovação vai ganhar ainda mais relevância e com esta, as abordagens experimentais e pioneiras.
  • As funções de Recursos Humanos irão redesenhar-se: Para as empresas e para as Direções de Recursos Humanos, uma vida em múltiplos estágios que requerem mais poder de escolha e flexibilidade, serão um enorme desafio, ao qual muitos não saberão responder. A maioria das empresas foi evoluindo com sistemas previsíveis e de controlo e, por isso podem resistir a estas mudanças. O desejo das pessoas por flexibilidade e opções vão exigir o redesenho de processos às empresas.
  • Haverá muitos desafios para os governos: até aqui, a aposta tem sido restrita à alteração de questões relacionadas com a reforma. Será inevitável considerar mudanças relacionadas com educação, tempo de trabalho, acordos sociais. Fazer com que a componente financeira seja funcional é importante, numa vida longa, mas ainda é mais critico ajustar a forma como as pessoas vivem e trabalham e estes aspetos farão parte das agendas de todos os governos.

Face ao que hoje se sabe, o que fazer então?

Tome consciência das mudanças, identifique os seus recursos atuais, conheça as tendências e posicione-se o quanto antes para se adaptar. Já agora aproveite para potenciar os seus recursos transformacionais (saúde, relações, skills) e redesenhe a sua carreira por forma a ir de encontro ao que o realiza, marcando ainda mais a diferença que quer ter/fazer.

Proponho-lhe um exercício:

Imagine-se com 80 anos. Imagine que o seu “eu” de 80 anos vem ao seu encontro hoje para lhe dar um conselho útil, de modo a que chegue aos 80 e faça um balanço global positivo, do qual se orgulha. Qual imagina que seria esse conselho?

Fontes:

The 100-yearlife. Living and working in an age of longevity. Lynda Gratton & Andrew Scott. Bloomsbury Publishing Plc

Portaria nº 67/2016 (idade de acesso à pensão de velhice em 2017)