“Se tratássemos os outros como nos tratamos a nós próprios, provavelmente estaríamos todos presos!”
Alan de Button, fundador da The School of Life.
Esta frase revela muito sobre a forma como tendemos a lidar connosco próprios. Sobre a qualidade do nosso diálogo interno. Quem é que nunca se criticou ou deitou abaixo perante uma ação menos feliz que teve. Ou quem não deu por si a duvidar das suas capacidades, da sua legitimidade para responder a algo que ainda está para acontecer, como um desafio novo?
Eu confesso. Comigo já aconteceu muitas vezes. Já me senti uma impostora e até já dei por mim a querer desistir sem sequer começar!
Até lhe posso dar um exemplo. Foi em 2006. E propus-me a dar formação pela primeira vez, a um grupo de desconhecidos. Até essa altura eu já tinha dado formação no local de trabalho a colegas e a colaboradores. Gostava muito de o fazer e as pessoas até apreciavam o meu estilo. Numa das minhas mudanças de carreira, muito centrada em conseguir ter trabalho para pagar as minhas contas, sem pensar muito, candidatei-me a ser formadora num projecto cujo objectivo passava por capacitar todos os colaboradores de uma organização do topo à base. Para garantir que fazia um bom trabalho, mergulhei nos temas técnicos sobre os quais ia falar e trabalhei dia e noite, ao longo de duas semanas para preparar uma formação que me parecesse dinâmica e gerasse o interesse das pessoas. Na noite anterior ao primeiro dia de formação, eu tinha tudo pronto. Só que entrei em pânico. Isso mesmo!
Comecei a duvidar de mim: Quem era eu para ir dar aquela formação? O que é que me tinha passado pela cabeça para me candidatar aquele projecto? Pior, será que o gestor de projecto estava cego? Porque carga de água me contratou?
Isto não podia estar certo porque eu nunca tinha dado formação a um grupo de desconhecidos! Rapidamente estes pensamentos foram escalando e dei por mim de cabeça perdida a imaginar os piores cenários possíveis, desde ter uma branca, a perder a voz, a fugir de cena, a não saber responder às perguntas. Perante estes cenários prováveis só havia uma coisa inteligente a fazer: Desistir! Pensei para comigo: É isso vou desistir e pronto, fica tudo resolvido. Mas a formação é amanhã de manhã e já são 21H. Como vou sair desta?
O mais difícil estava feito, já tinha a decisão tomada. Só tinha que arranjar uma forma de sair da situação sem fazer muito má figura. E para isso precisava arranjar uma desculpa muito boa. Que todos acreditassem. O que é que eu fiz? Liguei para uma amiga para ela validar a minha ideia e o meu plano de contingência. A minha amiga cheia de paciência ouviu-me. Descrevi-lhe todos os filmes que tinha imaginado na minha cabeça. Contei-lhe o plano que tinha engendrado. Depois de esvaziar o saco, ela retorquiu: Lá estás tu armada em perfeitinha! Aquela afirmação fez-me parar. Como assim? Respondi-lhe: Não estou armada em perfeitinha. Simplesmente não estou à altura. Não vou dar a formação. Está decidido!
A minha amiga que foi minha colega na Universidade, acompanhou todo o meu percurso até ali. Por isso, conhecia bem a minha forma de trabalhar e o meu grau de exigência pessoal. Começou por me relembrar de tudo o que eu sabia sobre o tema. Afinal, eu tinha sido a melhor aluna da pós-graduação e tinha feito um projecto na minha empresa que foi adoptado como modelo para o resto da organização que não era nada pequena. Tinha dezenas de áreas e milhares de colaboradores. Ainda me recordou como os meus pares e colaboradores ansiavam pelos momentos de formação que eu preparava. Ao ouvi-la atentamente, começaram a surgir em mim novas perspectivas: Espera, se calhar até tens legitimidade para dar esta formação. A verdade é que me capacitei no tema e tenho experiência formativa válida. Senão o gestor de projecto não me teria contratado. Ele deve ser uma pessoa válida para estar a fazer a gestão do projecto não é? De facto, a única coisa que era nova para mim, era o grupo de pessoas com quem eu iria estar. A quem iria dar a formação. Era só esse o elemento novo. Isso é certo! só que também seria provável essas pessoas estarem à espera de uma formadora super experiente e confiante nos temas. E eu claramente não era essa pessoa. Por isso, iria certamente desiludi-las. De repente tive uma luz: Já sei! A primeira coisa que eu vou fazer quando abrir a formação é assumir que esta vai ser a minha primeira vez e para não esperarem grande coisa!
Afinal, já todos passámos por isso em algum momento e por isso iriam entender, não é? E assim fiz. Nos 90 kms que percorri para chegar à empresa tive tempo para ensaiar na minha cabeça como é que eu ia dizer aquela frase. Não foi para rever o programa. Nem todo o resto do trabalho envolvido. O mais importante era aquele início.
Chegou o momento. Eu tremia que nem varas verdes. Olhava para as pessoas e sorria na esperança de não se notar que eu estava cheia de medo. Assim que o grupo se reuniu disparei a frase: Esta é a primeira vez que dou formação a desconhecidos. Vou dar o meu melhor, mas espero que me deem o desconto por causa do nervosismo.
Sabe o que aconteceu a seguir? Eu descomprimi completamente. A partir daquele momento, estavam avisados. Se tivessem expectativas altas o problema era deles porque eu estava a ser honesta. Dei um dia completo de formação. Missão cumprida!
Mas o mais impressionante foi ter chegado ao fim do dia e nem sequer me lembrar da preocupação que trazia de manhã e do pânico da noite anterior. Tudo fluiu. Algumas das pessoas vieram ter comigo no final e disseram-me: Parece que fez isto a vida toda! Desculpe lá mas não acredito que foi a sua primeira vez.
Este acontecimento foi mesmo muito importante para mim. Falo dele no meu livro. Porque naquele dia descobri a gratificação que sinto ao dar formação. Descobri ali uma paixão que dura até hoje. Já lá vão 17 anos. Já viu o que eu estive quase a perder, por causa dos filmes que fiz?!
Esta é apenas uma das muitas histórias em que eu quase desisti por causa dos meus ‘lobos maus’. Ou seja, os ‘lobos maus’ são aqueles pensamentos e diálogos internos desencorajadores que existem em nós.
No meu projecto Career Redesign® assisto diariamente às alcateias à solta na mente daqueles que acompanho perante novos desafios com os quais têm de lidar. Portanto, todos nós fazemos estes filmes. Todos, sem excepção em relação a algum aspecto nas nossas vidas. Neste ponto da minha partilha, quero invocar o trabalho de Drª Carol Dweck que se dedicou por mais de 30 anos a investigação na área de psicologia social e de desenvolvimento. Uma das conclusões mais relevantes a que ela chegou é que:
A Visão que adoptamos de nós próprios afecta profundamente a forma como lidamos com a nossa vida!
Reparou certamente, no exemplo pessoal que lhe dei, que a forma como eu me estava a ver no desafio, estava a influenciar as minhas emoções e comportamentos em relação ao mesmo. Perante esta conclusão, a Drª Carol Dweck recomenda que sejamos capazes de desenvolver mais confiança. Claro! Só que é mais fácil dizer do que fazer. Só que é possível fazê-lo. Tal como lhe descrevi através do meu próprio exemplo.
No projecto Career Redesign® eu apoio os profissionais activos que se sentem insatisfeitos com a sua carreira para criarem condições que lhes permita alcançar a realização. Uma grande parte do trabalho que realizo com as pessoas é de mudança de percepção. Mudar a visão que têm de si. Chegam cheias de ‘lobos maus’. São castradoras de si e arranjam mil e uma desculpas para justificar estarem onde estão e não conseguirem avançar. Por isso, trabalho na Visão de si próprias e ajudo-as a colocar o foco naquilo que as ajuda a progredir. E isso é transformador. Faz com que alcancem mais do que alguma vez se atreveram a imaginar. Não sou eu que o digo. São eles próprios que o verbalizam. Podem confirmá-lo através dos testemunhos de alguns deles no meu Podcast Quero, Posso e Mudo de Carreira. Porque este é um trabalho que transforma, que faz crescer. Que todos podemos e devemos fazer. Foi sem dúvida um dos aspectos críticos que me ajudou a trazer o projecto Career Redesign® tão longe e poder estar hoje a celebrar consigo os seus 9 anos de vida!
Por isso, vou partilhar consigo 3 passos que todos os meus clientes aplicam para conseguirem progredir a alcançar mais e melhor. Se reparar foram exactamente aqueles pelos quais passei para ser capaz de lidar com a situação que lhe descrevi.
1º Passo – Rodeie-se de pessoas positivas e solidárias.
O simples facto de se ouvir ou verbalizar com alguém, os filmes que está a fazer a respeito de algo é o suficiente para se dar conta de que talvez esteja a dramatizar a situação. Por outro lado, partilhar as suas dúvidas com uma pessoa que tem uma atitude positiva perante a vida e que lida bem com desafios fará com que tenha acesso a perspectivas alternativas à sua. E desta forma criam-se as condições para que surjam ideias e estratégias novas.
2º Passo – Aperceba-se se a sua reação se baseia em factos ou em medos.
Certamente, ter-lhe-á passado pela cabeça que eu exagerei na reação que tive ao desafio que descrevi. Porque no final de contas, tratava-se de fazer algo que me era familiar. A única variável nova era o grupo ser composto de desconhecidos. Também reparou certamente que foi aí que coloquei o meu foco. Foquei-me em exclusivo no elemento que desconhecido para mim. E foi isso que me fez sentir insegura, tendo feito tábua rasa a tudo o resto que contava para a situação. Assim, é importante ao encarar a situação com a qual irá lidar isolar o que lhe é familiar e traz conforto e confiança e o que é de facto novo e diferente. Isso fará com que seja capaz de equilibrar a sua perspectiva que tenderá a pender para o lado negativo.
3º Passo – Foque as suas realizações e sucessos passados.
Este aspecto é crucial. Passamos a vida a olhar para o que não alcançamos e não conseguimos. Mas quantas vezes já se sentou a identificar e avaliar o que já conseguiu e como conseguiu ao longo da sua vida? O que lhe posso dizer é que esse é um exercício extremamente poderoso. Inevitavelmente vai-lhe mostrar que já lidou com muitas situações novas no passado e que foi capaz de as ultrapassar. Muitas vezes com sucesso. Além disso, muitas das estratégias que resultaram bem no passado podem ser reaplicadas agora. Foi isso que a minha amiga me relembrou e que fez com que eu olhasse para o desafio com uma lente mais assertiva e fosse capaz de encontrar uma estratégia que me trouxesse mais confiança.
Em síntese,
É importante reconhecer que todos temos ‘lobos maus’ em nós. São aqueles pensamentos e vozes internas que se encarregam de nos fazer sentir incapazes e desajustados às situações de vida. Também já percebemos que é possível gerir esses ‘lobos maus’. Recomendei-lhe 3 cuidados essenciais:
- Partilhar os seus anseios com pessoas positivas, para angariar novas perspectivas,
- Aperceber-se o que são factos e anseios na análise da situação,
- Foque as suas realizações passadas e identifica que estratégias possam ser transferíveis para o novo desafio.
Desta forma, corremos o risco de perceber que conseguimos muito mais do que alguma vez imaginámos.