Já alguma vez colocou esta hipótese a si próprio(a)? Ou seja, a possibilidade da sua insatisfação profissional poder ser uma dádiva?
Para mim foi. Foram as situações de grande insatisfação, frustração e sofrimento que me levaram a reflectir e a ponderar novas possibilidades. Que sobretudo me levaram a um caminho de escolhas mais intencionais e conscientes. A dor foi para mim o maior factor de motivação para a mudança. A vontade de querer sair de estados de sofrimento enormes catapultaram as mudanças mais estruturantes na minha vida. Aquelas que me levaram a ser uma pessoa mais plena e por consequência me aproximaram dos contributos profissionais que fazem sentido para mim (se tiver curiosidade pode escutar a minha história).
Mas não estou sozinha. No projecto Career Redesign® já foram acompanhadas centenas de pessoas. A maioria Portuguesas. Até hoje em 8 anos de projecto, todos elas chegaram motivadas pela ideia de quererem sair do sofrimento que sentiam associado às suas vidas profissionais. Chegaram confusas, sabendo o que não queriam, mas sem respostas concretas sobre a direção a seguir. Hoje, também estas pessoas agradecem as situações de insatisfação com que tiveram de lidar.
Estas vivências funcionaram para si como uma espécie de despertador para perceberem o que realmente lhes era importante. Para entenderem que não era o modelo de vida que socialmente lhes foi incutido, aquele a que aspiravam. Que perceberam que era aceitável querer coisas diferentes mais alinhadas com quem são. Que podemos ter vidas com mais significado, fazendo pequenos ajustes à navegação. Outras vezes não será tanto assim, sendo a transformação necessária maior e mais desafiante.
Repare que no título desta reflexão eu refiro que a insatisfação pode ser uma dádiva. O que significa que muitas vezes não é esse o caso!
Do que depende?
De si. Da atitude que tem em relação à forma como lida com a mesma.
Na nossa sociedade, o trabalho tem sido encarado como uma actividade deliberada que consiste na produção de um bem material, de um serviço, ou no exercício de uma função, com vista a obter um resultado que possua utilidade social e valor económico.
Por isso, pensar carreira está muito associado ao que permitirá a tal retribuição financeira e é de utilidade aos outros. Aos outros! Não necessariamente a nós. Não implica necessariamente uma relação de sinergia. E é aqui que os pressupostos dos quais partimos começam a fracassar.
Depois de cumpridos os objectivos de relevância para os outros e das necessidades financeiras estarem supridas, começam a emergir em nós os sintomas típicos das experiências pouco construtivas e com pouco ou nenhum sentido, no nosso dia-a-dia.
As pessoas mais jovens da geração milénio (nascidos entre 1980 e 1999) e as pessoas da geração Z (nascidos a partir de 2000), assumem com toda a clareza que há outros factores que contam muito. Nomeadamente o sentido de significado, de contributo, as preocupações com o futuro do planeta, as formas mais fáceis e ágeis de se fazerem as coisas, entre outras. Tudo isso conta. Por isso quando chegam aos locais de trabalho, entram em crise. Não se revêem nas formas de trabalho, nos princípios de gestão.
Só que esta tendência não se limita às pessoas destas gerações. Está cada vez mais generalizada e foi acentuada no período da pós-pandemia. Por isso mesmo emergiu o termo ‘the great resignation’. A expressão foi sugerida pelo professor e psicólogo organizacional Anthony Klotz da Texas A&M University que observou tendências no mercado de trabalho americano que levaram a que um grande número de pessoas deixasse voluntariamente os seus trabalhos em massa no fim da pandemia e com o regresso à normalidade, num momento de recuperação económica. De facto, isso tem acontecido sobretudo nos E.U.A., mas tem-se observado noutra escala a nível global2).
O que se sabe é que as incertezas e disrupções trazidas pela pandemia, provocaram uma re-avaliação das prioridades pelas pessoas. Algumas delas tomaram a decisão de sair dos seus trabalhos e perseguir um estilo de vida diferente. Descobriram nos últimos dois anos que há outras coisas que valorizam e nem sabiam, como a qualidade de vida em família por exemplo. A saída do automatismo das suas vidas quotidianas colocou as pessoas em maior contacto com os seus pensamentos e emoções e activou níveis de consciência diferentes.
O que parece ser evidente nos diversos estudos3) 4) 5) sobre este tema é que as pessoas procuram mais do que um simples trabalho, considerando a definição que acima partilhei. Procuram sobretudo fazer escolhas mais conscientes e intencionais.
Por isso questionam-se onde e para quem querem trabalhar, onde querem viver, se faz sentido regressar ao escritório ou trabalhar remotamente, como acomodar as necessidades dos filhos e dos familiares mais idosos, etc. As pessoas aspiram a construir uma vida que lhe faça mais sentido.
A meu ver ‘a great resignation’ não é um movimento de saída ao acaso das relações laborais, mas antes um movimento de realinhamento consigo próprios e com as prioridades fundamentais nas suas vidas. Esta tendência não é nova. Ela tem ganho expressão com as várias mudanças no mundo do trabalho como afirma Hermínia Ibarra investigadora e professora da London Bussiness School e que estuda o tema da mudança de carreira há 20 anos. Uma das grandes constatações do seu trabalho é precisamente essa: qualquer alteração ou choque no ambiente pode ser condutor de reflexão sobre o que quer e como o vai abordar. Atendendo ao choque que a pandemia provocou de forma transversal na vida de todos, é natural que esta tendência se faça notar com maior enfâse. (Assista à nossa Career Conversation sobre Mudança de Carreira e explore este tema em maior profundidade).
Em Portugal, não é ainda oficialmente conhecida a expressividade destes efeitos. Contudo eu posso falar do que observo e conheço através das experiências dos nossos clientes: Desde sempre que acompanhamos pessoas que sentem profunda insatisfação profissional e querem resolver isso. Até aqui, a tendência foi fazer um processo de Career Redesign® a par da sua vida laboral activa.
Nunca aconteceu o que tenho observado desde o início deste ano: As pessoas chegam-nos depois de se terem despedido sem terem alternativas à sua espera. Simplesmente por terem a clareza que chegaram ao seu limite.
O que também nos chega são os efeitos colaterais nas pessoas que acompanhamos, fruto das saídas sucessivas de colegas das suas e de outras áreas nas empresas onde trabalham. Acarretando sobrecarga de trabalho por um lado, mas também acesso ou a novas possibilidades de mudança interna na Organização onde estão.
Por isso, eu não preciso de números oficiais. A vivência que tenho através das experiências dos nossos clientes torna clara a tendência emergente: nós enquanto colaboradores e indivíduos estamos num movimento de afirmação pelo que queremos.
Para as empresas, verificam-se sem dúvida perdas de conhecimento e de competências que ameaçam a robustez dos negócios e a qualidade das suas propostas de valor num momento de grandes mudanças no mundo em que todas as ajudas para a transformação dos negócios é vital.
A Fortune realizou um estudo5) com a Deloitte envolvendo 117 CEOs, nos quais identifica os desafios sentidos pelas Organizações. Este estudo refere que:
- 73% dos CEOs sentem a ameaça de haver escassez de pessoas e competências nos próximos 12 meses
- 57% refere que o maior desafio é atrair talento e 51% refere que é manter talento.
Por isso este tema importa a todos.
Nos fóruns de Recursos Humanos advoga-se que por causa de tudo o que aqui foi abordado, deveria existir uma aposta maior na humanização das culturas organizativas, por forma a criar maior fit entre empresas e colaboradores e a gerar-se uma experiência de colaboração mais satisfatória e feliz.
O que também importa denotar é que com a saída de muitos, podem emergir oportunidades que de outra forma não estariam disponíveis. Acabei de testemunhar isso com uma das pessoas que acompanho.
Depois de várias conversas com a chefia assumindo a sua insatisfação e sugerindo um novo rumo para si dentro da organização, não obteve qualquer resposta concreta. Apenas palavras de reconhecimento do seu trabalho. Ou seja, a ‘palmadinha nas costas’. Até ao dia em que avançou para a conversa derradeira de assumir que queria sair, pois a relação perdera o sentido e esta pessoa não se sentia capaz de conviver com certas decisões que considerava completamente descabidas e até injustas. Nessa mesma conversa, foi-lhe proposta uma nova posição alinhada com os seus talentos. O motivo? A pessoa que assumia essas funções tinha-se despedido na hora anterior!
Poderia contar-lhe dezenas de histórias como esta. Eu trabalho com a realidade do terreno. Aquela que não se assume nos Media e nos meios de comunicação corporativa. Pelo contrário. Existe até uma tentativa de ocultar o que se passa. Mas para os mais atentos basta notar qual o tema mais falado nos fóruns de Gestão de Recursos Humanos – a atração e retenção de talento!
Voltando ao tema desta reflexão, acredito que por esta altura se questione no que depende de si para que a sua insatisfação se possa tornar uma dádiva?
1º Aceitar o que sente na sua vivência profissional.
Uma das pessoas que estou a acompanhar confessou-me no outro dia, que um dos motivos pelos quais não explorou mais cedo os sinais que há tanto sente, foi o medo de estar a ser infantil! De estar a ter devaneios. Pois a norma aceite é ser-se infeliz no que se faz, porque o que importa é ser bem pago!
Quando se aceita o que se sente, é meio caminho andado para se dar os passos que tornam a sua insatisfação numa potencial alavanca para a realização. Pois predispomo-nos a explorar a situação, a estar diferente, a agir de novas formas. E é aqui que reside o potencial das mudanças bem conseguidas. Convido-o(a) a escutar o testemunho da Carolina S. sobre a forma como ela transformou a sua insatisfação em realização.
Quando as pessoas se auto-desencorajam a querer algo diferente, se minimizam, entram em negação e se vitimizam, só contribuem para intensificar o problema. Enquanto assim for, a insatisfação será um acelerador para desequilíbrios ainda maiores e que poderão derivar para doenças mentais e físicas. Como tantas vezes já assisti. Nessas situações, é preciso muito mais para sair desses estados. São precisos vários profissionais para apoiar uma mesma pessoa. Já para não falar no investimento financeiro que tudo isso acarreta. Tudo seria mais simples se a pessoa se respeitasse e valorizasse o seu sentir.
2º Apostar no seu autoconhecimento.
Este aspecto é a base de um trabalho de realinhamento e de redesign. Passa por conhecer-se em termos de competências, qualidades, forças e valores, mas também por clarificar qual é o contributo que quer disponibilizar aos outros, à sociedade, ao mundo. Da minha experiência sempre que essa resposta se clarifica, tudo se agiliza. Mais naturalmente consegue-se ajustar o GPS das escolhas profissionais. Para além disso ganha-se sem sombra de dúvida uma maior resiliência perante as adversidades que surgem na construção de um novo caminho. Faz parte do processo de angariação dessa clareza partir do pressuposto que todos temos uma existência temporal limitada e o que gostaríamos de alcançar durante a mesma. Quando abordamos o tema dessa forma, saímos do molde habitual de pensamento que adoptamos no quotidiano e criam-se condições para novas perspectivas. É também mediante a clarificação do contributo que fica evidente se a pessoa prefere criar o seu próprio projecto ou iniciar uma nova colaboração. (Assista à nossa Career Conversation sobre este tema).
3º Avaliar ou explorar atentamente a entidade ou área com a qual quer colaborar, se ponderar mudanças a esse nível.
Neste aspecto há vários factores a considerar.
- O estilo da chefia a quem irá reportar. As pessoas que procuram um realinhamento segundo a minha experiência, apresentam preferência por chefias que sejam abertas a ideias diferentes das suas e que dão autonomia e espaço para que os colaboradores realizem o trabalho das formas que lhes faça mais sentido. Permitindo a aprendizagem pela prática e acolhendo o erro. Também valorizam quando tem espaço a participar em projectos paralelos do seu interesse com o aval da sua chefia.
- As condições existentes na Organização que permitam perseguir o contributo que querem dar alinhado com os seus valores. Muitas vezes as pessoas até apreciam o trabalho que fazem, mas não com a entidade ou a chefia para quem o desenvolvem porque estas não têm em consideração aspectos que para as pessoas contam mais, como o respeito pelos colaboradores, a valorização e o reconhecimento e ainda outros como a sustentabilidade, a responsabilidade social e o impacto que têm na sociedade.
Também para quem quer desenvolver projectos próprios é importante clarificar quem são os seus clientes certos e quais aqueles com quem não quer colaborar. Qualificar os seus clientes é essencial sob pena de poder estar a fazer o que valoriza e gosta, mas arriscando-se a ter uma experiência de colaboração desgastante. O que como efeito colateral nos coloca novamente numa confusão do que é adequado para nós.
4º Comunicar com assertividade o que quer e o que não quer.
Muitas vezes silenciamos o que pensamos e queremos dizer. Só que ao fazê-lo estamos a alimentar o nosso estado de insatisfação. A afirmação de si é um acto libertador. Além disso, o silêncio do que acreditamos ser relevante é um exercício de julgamento sobre nós próprios, em que de forma consciente ou inconsciente não acreditamos no potencial que a nossa opinião pode oferecer à situação. Não acreditamos que a nossa palavra tenha importância. Quando esse é o paradigma em que opera, está a contribuir para o seu próprio estado de insatisfação. No limite o Não está garantido. Mas verbalizar o que se pensa e o que se quer, de forma sistemática, pode fazer com que mais à frente ganhe a força que muitas vezes se espera conquistar numa única interação.
Não falar no momento, é deixar o tema no seu sistema para mais tarde, em casa, com a família ou até com os amigos debitar em modo crítico e negativo o que pensa. Influenciando uma experiência negativa junto daqueles que menos podem influenciar a sua experiência no trabalho. É levar o tema a ser debatido no fórum errado. É como levar o seu carro para ser reparado no seu médico de clínica geral. É desajustado!
Em síntese,
A insatisfação profissional pode ser uma dádiva. Depende em grande parte de si explorar essa possibilidade.
O movimento ‘great resignation’ evidencia a tendência crescente de cada vez mais pessoas procurarem realinhar as suas vidas profissionais de acordo com a vida que lhes faz mais sentido.
Em Portugal, não existem números oficiais da ‘great resignation’ mas o tema existe e já chegou ao projecto Career Redesignâ. Nunca como em 2022, recebemos tantas pessoas que se despediram sem ter alternativas. Simplesmente porque chegaram ao seu limite.
Depende de si:
- Aceitar a sua insatisfação e explorar as possibilidades ocultas que nela residem,
- Apostar no seu autoconhecimento, para conseguir chegar a essas possibilidades,
- Ter critérios para avaliar que novas relações profissionais estão alinhadas consigo,
- Comunicar com assertividade o que quer e o que não quer. Por vezes é o que basta para viver a diferença que deseja.
Se você quiser transformar a sua insatisfação numa dádiva, então permita-se realizar uma sessão exploratória. Só precisa de alocar 1 hora do seu tempo comigo. Presencialmente ou on-line. Leia aqui, o que fazemos nessa sessão.
Fazer esta sessão pode representar para si início do fim da sua insatisfação e o primeiro passo que o(a) aproxima da dádiva da realização.
Fontes de informação:
Recursos Career Redesign®:
Podcast Quero Posso e Mudo de Carreira – Ep. 1 parte 1 e 2
Podcast Quero Posso e Mudo de Carreira – Ep. 8 parte 2
Career Conversation 1– Mudar de carreira durante a pandemia.
Career Conversation 11– A relevância de saber quem sou na gestão de carreira
Outras fontes:
1) Definição de trabalho do sociólogo João Freire e extraída do Podcast Inpertinente ep. 42 – sociedade – somos o que trabalhamos?
2) Career Coaching Community of Practice – Webinar: ‘The Great Resignation!’
3) ‘The great resignation or the great rethink?, HBR
4) ‘The great resignation is a misnomer’, HBR
5) ‘The great resignation is no joke’, Fortune
6) Webinar ICF – ‘The gift of being unfulfilled at work-changing the perception of work experience’.